Ao longo dos últimos dez anos, a pauta ESG (sigla para meio ambiente, social e governança) vem, progressivamente, ganhando espaço na agenda corporativa. Foi neste contexto que muitas empresas desenharam suas iniciativas. Na Dow, multinacional de ciência dos materiais, mais do que se comprometer com as pautas que dialogam com o espírito do tempo, seus dirigentes e acionistas adicionaram um sentido de urgência ao anunciar metas ambiciosas para serem alcançadas em um curto espaço de tempo.
No que se refere à tríade Inclusão, Diversidade e Equidade (ID&E), a subsidiária brasileira desponta como um exemplo global, tendo cumprido quase todas os objetivos projetados para 2025 nos quesitos gênero e raça. Hoje, 39,8% dos funcionários da Dow se autodeclaram pretos ou pardos. Montante um pouco abaixo do total da população brasileira (55,5% segundo o IBGE), mas em linha com a meta inicial de 40% definida pela empresa. No caso da paridade de gênero os números são igualmente vistosos, com 35% do quadro de pessoal formado por mulheres, sendo 44% das posições de liderança ocupadas por elas.
Estes esforços têm sido reconhecidos em rankings e estudos independentes elaborados por consultorias globais como a Great Place to Work. Em 2023, a Dow Brasil apareceu no TOP 5 em quatro categorias das Melhores Empresas para Trabalhar GPTW Diversidade. Em todos os casos, o que fez a diferença foi a intencionalidade da alta liderança, além do comprometimento dos funcionários que se engajaram em iniciativas focadas nos pilares ID&E. Uma delas é o Dow ACTs (acrônimo para Advocacy, Comunidade e Talentos), um robusto plano de ação lançado em 2020 e que visa, de maneira holística e deliberada, endereçar questões do racismo estrutural e sistêmico e a inequidade racial.
A iniciativa está sendo liderada pelo grupo de afinidade de inclusão racial GAAN (Global African Affinity Network) de forma colaborativa e multidisciplinar com diferentes áreas da companhia: Recursos Humanos, Compras, Comunicações e Relações Institucionais, entre outras. As ações incluem o compromisso com políticas públicas e legislações antirracistas, aporte financeiro em iniciativas filantrópicas, organização de fóruns sobre raça e racismo com funcionários, clientes, fornecedores e membros da comunidade, só para citar alguns exemplos.
Guilherme Crepaldi, analista contábil na Dow no Brasil e líder do pilar Allyship & Advocacy do GAAN, rede de afinidade que fomenta a inclusão racial na companhia
“Nosso trabalho é todo baseado no objetivo de fazer da Dow uma empresa cada vez mais diversa, especialmente no quesito racial. Os esforços começaram a partir do desenvolvimento de um programa de trainee exclusivo para talentos negros. Hoje, isso já se reflete no dia a dia da empresa, pois quando andamos pelos escritórios percebemos uma maior diversidade racial entre os funcionários”, destaca Guilherme Crepaldi, analista contábil na Dow no Brasil e líder do pilar Allyship & Advocacy do GAAN.
Atrair é importante, sem dúvida. Porém, a retenção e a valorização desses talentos têm sido um grande desafio para inúmeras empresas. Em muitos casos, as dificuldades típicas do dia a dia são agravadas pela falta de letramento da equipe, pela incompreensão da importância da diversidade e pelo desconhecimento acerca dos efeitos deletérios do racismo estrutural. É neste ponto que ganha ainda mais importância a atuação do time de voluntários do GAAN.
O trabalho de conscientização se dá a partir de dois programas: Papo de Preto e Inclusão tem Todas as Cores. O primeiro, de periodicidade mensal, fomenta conversas abertas sobre literatura de autores negros com foco na educação sobre as questões raciais, com transmissão online dos debates e das rodas de conversa para todos as unidades da Dow no Brasil (Breu Branco, Guarujá, Hortolândia, Aratu, Jacareí, Jundiaí, Santos Dumont e São Paulo).
De acordo com Guilherme, o programa funciona como uma verdadeira formação antirracista. Nas 36 sessões realizadas desde 2020 foram abordados temas variados e, por que não dizer, polêmicos: Feminismo negro, Interseccionalidade, Racismo estrutural, Racismo institucional, Cultura negra, Afrofuturismo, Colonização e Intolerância religiosa.
Ele diz que mesmo em uma empresa que privilegia a troca de ideias e a disseminação de conhecimentos, sua equipe precisa ser criativa para manter em alta a adesão e o engajamento do pessoal. Até porque, além de a participação ser voluntária, o GAAN divide espaço com outros grupos de afinidade (os ERGs atuam em 10 frentes, em escala global). Foi neste contexto que o Papo de Preto sobre a objetificação do corpo das mulheres negras foi anunciado com o instigante título “Carnaval Globeleza”. Em média, a audiência ao vivo é composta por 60 pessoas, chegando a quase dobrar como foi no caso da edição sobre os Racionais MC’s.
Outra sacada do GAAN dentro dessa vertente de formação foi a criação, neste ano, do Clube do livro Antirracista, que já conta com 30 inscritos e cujo primeiro encontro debateu o tema colonialismo. Essa iniciativa está conectada com os espaços de troca de conhecimentos: a Biblioteca do GAAN, hospedada na rede interna da companhia e por meio da qual os focal points de Inclusão e Diversidade de todas as unidades da Dow podem acessar conteúdos e compartilhá-los com os funcionários nas trocas de turno ou em épocas de paradas programadas da operação.
Por sua vez, o “Inclusão tem Todas as Cores”, voltado para a liderança, é um treinamento que prevê a conscientização e o entendimento sobre a importância da diversidade e inclusão racial no ambiente de trabalho. O programa aborda o racismo estrutural e como as políticas de reparação histórica são fundamentais para combater a desigualdade e a injustiça social. A partir de 2024 essa iniciativa ganhou uma dinâmica diferenciada. A começar pelo conteúdo que abarca desde os reinos pré-coloniais em África, passando pela escravização de africanos, racismo estrutural, institucional e a representação do negro na mídia.
Apoio à formação integral de jovens
Os valores defendidos e promovidos pela Dow, em escala global, também vêm causando impacto na forma como diversos extratos da sociedade enxergam a empresa. E isso se reflete na atração de talentos. Nos dois processos de seleção de estagiários realizados em 2024 houve um incremento de 12% no número de candidatos. Como faz desde 2019, a empresa incentiva fortemente a participação de candidatos autodeclarados pretos e pardos que veem na empresa um ambiente propício para desenvolver suas trajetórias profissionais.
Contudo, antes mesmo de atrair talentos é preciso despertar neles a capacidade de sonhar, além de prover as ferramentas necessárias para que atinjam seus objetivos. Especialmente no que se refere às carreiras na área científica, agrupadas na sigla STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) nas quais existe uma carência global de mão de obra. No Brasil, onde a pobreza tem cor de pele e CEP definidos, inúmeros fatores fazem com que os jovens deste recorte racial, em especial as mulheres, não se vejam nestas profissões. E é neste ponto que se destaca a qualidade do relacionamento entre a Dow e as comunidades nas quais atua.
Uma das iniciativas mais longevas é a parceria com o projeto Oguntec, criado pelo Instituto Cultural Steve Biko (ICSB), em 2002, e do qual a Dow se tornou apoiadora em 2017. Fundado em 1992, em Salvador (BA), como um cursinho pré-vestibular popular, o ICSB se converteu em um dos líderes na interlocução entre o poder público e a esfera privada em prol da democratização do acesso à universidade pública.
Alexandre Amissi, gerente de Relações Governamentais na Dow e Líder do Pilar de Comunidade do GAAN
Essas credenciais fizeram com que, mais que apoiar, a Dow se tornasse uma promotora do Oguntec. “Fomos a primeira empresa do setor, na Bahia, a obter o selo da Diversidade Étnico-racial e nossa postura e ações acabaram incentivando outras corporações a apoiar o projeto”, conta Alexandre Amissi Garcia, gerente de Relações Governamentais na Dow e Líder do Pilar de Comunidade do GAAN (Global African Affinity Group)
De certa maneira, o Oguntec, que abarca uma rede de escolas públicas situadas na região Metropolitana de Salvador, foi a inspiração para outras duas iniciativas educacionais tocadas pelo GAAN: o Dow CRIE e o Ilimite-se, cujo objetivo é garantir a permanência de jovens de baixa renda na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade de Campinas (Unicamp). Para isso, a empresa financia bolsas de iniciação científica, cursos de inglês e mentorias com funcionários da Dow para os bolsistas.
Desenvolvimento local
O olhar atento para as comunidades no entorno de suas unidades produtivas e nos estados nos quais está presente vem de longa data e não se resume à educação formal. Em Breu Branco (PA), por exemplo, faz 20 anos que a Dow apoia a ONG Torpedos Mirim, que atende jovens entre 9 e 13 anos em atividades no contraturno escolar, enfocando habilidades socioemocionais e educacionais. Os jovens também têm a oportunidade de atuar como aprendiz na Dow, fechando o ciclo da teoria à prática.
Nesta mesma linha se encaixa o apoio à instalação da Biblioteca de Los Sueños, projeto tocado na América do Sul pela CEC Brasil e que chegou por aqui em 2023. Desde então já foram inauguradas duas unidades: em Salvador, no Ilê Opô Afonjá, terreiro fundado no século 19 por Eugenia Ana dos Santos, mais conhecida como Mãe Aninha, em 2023, e no Museu do Imigrante (SP). Segundo Alexandre, o envolvimento da Dow não se esgota na doação de recursos financeiros. E isso vale tanto para os projetos voltados à educação, quanto aos de desenvolvimento comunitário, como é o caso daqueles financiados pelo Edital de Responsabilidade Social, lançado em 2020.
Por meio do Edital são selecionados, anualmente, projetos de Organizações da Sociedade Civil (OSC) que são contemplados com um aporte de até R$ 90 mil, cada, para fortalecer suas atividades focadas nos seguintes drivers: inclusão da população preta e parda, economia circular e redução das emissões de carbono. Na lista deste ano consta o projeto Aroari: Compartilhando Saberes e Construindo Pontes tocado pela Associação Socioambiental Filhos das Estrelas, em Santos Dumont (MG). “Um ponto importante a se destacar é que qualquer inciativa que envolva recursos de fundos da Dow precisa contar com monitoria ou apoio técnico de funcionários voluntários da empresa”, ressalta Alexandre.
Graduado em administração de Comércio Exterior com especialização em Cooperação Internacional, o executivo chegou na Dow há seis anos, depois de passar por diversas entidades de cooperação e desenvolvimento, além do Governo do Estado da Bahia, onde cuidou da área internacional. E é a partir dessa experiência na interlocução com diversos públicos que ele dá as suas contribuições ao GAAN. “Devido à natureza do meu cargo, eu percorro todos os sites da Dow e posso dizer que conheço a realidade de cada comunidade com a qual trabalhamos, na área social”, conta. “E isso ajuda muito no momento de selecionarmos os projetos que receberão o apoio financeiro da empresa”.
Texto escrito pelo jornalista Rosenildo Ferreira, especial para Dow
Legenda da foto de abertura: Alunos do projeto Oguntec, apoiado pela Dow, no Pelourinho (Salvador) / Foto: divulgação (ICSB)