Os agentes da lei que usaram de força excessiva e outras violações de direitos humanos contra africanos e afrodescendentes continuam gozando da mais completa impunidade. Essa é uma das conclusões do novo relatório do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para Promoção de Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei. O Mecanismo apresentou o relatório nesta quarta-feira (2/10) ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, juntamente com os achados das visitas ao Brasil e à Itália.
No Brasil, o Mecanismo constatou que o racismo contra pessoas afrodescendentes é sistêmico e generalizado. Devido a uma prática rotineira de perfilamento racial por parte da polícia, os afro-brasileiros têm três vezes mais chances de serem mortos pelas forças de segurança.
Os especialistas disseram que, além disso, os direitos das vítimas à justiça, à verdade, às reparações e às garantias de não-repetição foram “raramente cumpridos” e recomendaram várias medidas que os Estados devem tomar para proporcionar justiça, responsabilidade e reparação.
“Manifestações de racismo sistêmico contra pessoas africanas e afrodescendentes pela aplicação da lei e nos sistemas de justiça criminal ainda são predominantes em muitas partes do mundo, e a ampla impunidade persiste”, afirmou Akua Kuenyehia, presidente do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para Promoção de Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei (EMLER, na sigla em inglês).
Tracie Keesee, especialista do Mecanismo, acrescentou:
“As pessoas e as comunidades afetadas pela violência e má conduta policial nos relataram, repetidamente, as dificuldades que enfrentam ao exigir justiça, responsabilidade e reparação por violações cometidas por agentes da lei, e é por isso que estamos apresentando essas recomendações específicas voltadas para a ação.”
No relatório apresentado para a 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, o Mecanismo de Especialistas avaliou as barreiras enfrentadas por pessoas africanas e afrodescendentes ao exigir justiça, responsabilidade e reparação. Ele destacou as medidas mínimas necessárias para combater a impunidade, complementadas por recomendações específicas voltadas para a ação, que inclui:
- Elaboração de relatórios, revisão e procedimentos de investigação.
- Estabelecimento de órgãos independentes de supervisão civil para a aplicação da lei.
- Criação de mecanismos independentes de apoio às vítimas e às comunidades.
“Isso já deveria ter sido feito há muito tempo”, afirma Víctor Rodríguez Rescia, especialista do Mecanismo, acrescento que: “Chegou a hora de os Estados investirem na criação de instituições sólidas para proporcionar efetivamente justiça, responsabilidade e reparação às vítimas. Os Estados têm o dever de cumprir o direito da vítima à reparação de forma imediata, adequada e eficaz, e é necessário um apoio abrangente e holístico nesse sentido.”
Durante a visita, o Mecanismo se reuniu com autoridades federais e estaduais, incluindo autoridades policiais, órgãos de controle interno, agentes penitenciários e promotorias e defensorias públicos, e visitou dois centros de detenção.
O Mecanismo ouviu 117 testemunhos de vítimas e familiares de vítimas, e recebeu 41 contribuições por escrito que informaram o presente relatório.
- Na Itália, o Mecanismo constatou que os preconceitos em relação às pessoas africanas e afrodescendentes contribuíram para a criação de perfilamento racial pelas autoridades policiais e para sua representação desproporcional no sistema de justiça criminal italiano.
A necessidade de aumentar a responsabilidade pelas ações dos agentes da lei foi enfatizada em ambos os relatórios dos países, que contêm conjuntos de recomendações às autoridades do Estado.
Relatório em português:
Acesse aqui o relatório que apresenta as conclusões e recomendações do Mecanismo Internacional em relação à visita ao Brasil, realizada de 27 de novembro a 8 de dezembro de 2023.