Quem convive comigo no dia a dia sabe o quanto sou apaixonada por bicicletas. E também por viagens. Por isso ao decidir com meu marido finalmente conhecer Portugal procuramos encaixar estes dois universos em nosso roteiro. O que foi possível graças a uma dica de uma amiga sobre uma agência especializada em organizar passeios de bicicleta pelo pequeno país europeu. Nossa única exigência foi fugir de roteiros e programas convencionais.
Por conta disso, a região escolhida também saiu do circuito turístico tradicional: o Alto Alentejo, predominantemente rural, com seus campos de oliveiras, sobreiros (as árvores de cortiça, produto cuja venda Portugal é líder), criações de carneiros, porcos e vacas, e cidadezinhas muito simpáticas.
Uma boa infra estrutura é importante neste tipo de viagem. Por isso acertamos tudo nos mínimos detalhes, desde o aluguel das bicicletas “speed” de alumínio equipadas com bombas, câmaras sobressalentes, garrafinhas de água e GPS com o roteiro, além dos capacetes – item imprescindível de segurança que agora até os ciclistas europeus, mais conservadores, começaram a adotar. Ainda: eles cuidariam das reservas nos hotéis e pousadas, e levariam as nossas malas de uma cidade para outra.
Dessa forma, nos livramos de um bom peso – o que faz toda a diferença! – na bike e levamos conosco apenas o essencial para o dia, como barrinhas de cereais, capa de chuva, lenço de papel.
A aventura começou em Marvão, cidadezinha de pouco mais de cem habitantes (isso mesmo, 100!), próxima à fronteira com a Espanha e onde fica o castelo mais alto do país, a 860 metros. Das muralhas do castelo, tem-se uma vista panorâmica linda da província de Portalegre, sendo ainda um lugar excelente para se observar algumas espécies de aves, como o melro-azul.
Taí mais uma forte motivação para a viagem, uma vez que, além das bicicletas, tenho a observação de aves como outra das minhas grandes paixões. Por falar nisso, as cegonhas são aves muito comuns no interior da “terrinha”.
Neste nordeste alentejano e vizinho a Marvão fica o Parque Nacional da Serra de São Mamede, uma área de proteção de mais de 55 mil hectares em Portugal, repleto de carvalhos, pinheiros e castanheiras, entre outras árvores, e águias, melros, texugos e raposas, do lado dos animais.
De Marvão, passamos por diversas cidadezinhas de arquitetura semelhante e ruas de pedra, todas com seus castelos, igrejas e mosteiros, muitos deles transformados em hotéis, como Castelo de Vide, Crato, Avis, Cabeço de Vide, Pavia e Arraiolos, a dos tapetes famosos.
Percorríamos cerca de 50 quilômetros por dia, com paradas para as visitas a pontos de interesse e para comer, até chegarmos à famosa Évora, um dos “patrimônios da Humanidade” eleitos pela Unesco, e ponto final dessa nossa aventura.
Detalhes
Viajar de bicicleta tem diversas vantagens, como conhecer os lugares sob outra perspectiva, tendo a oportunidade de observar detalhes que passariam despercebidos na velocidade do automóvel, por exemplo. Tudo bem, o deslocamento é mais lento, o que pode ser um fator limitante para quem tem pouco tempo.
Mas, que graça tem manter a correria do dia a dia também nas férias?
E quem quer um pouco mais de velocidade – e menos esforço físico – já pode optar atualmente pelas bicicletas elétricas, o que pode motivar quem acha que não está em forma o suficiente para enfrentar a viagem e as subidas que aparecerem pelo caminho apenas nos músculos das pernas.
Na Europa, onde as rodovias, inclusive as secundárias, onde é mais aconselhável pedalar, costumam ter pavimento em ótimo estado e motoristas que respeitam os ciclistas, o que faz da segurança outro ponto a favor do ciclismo em duas rodas no Velho Continente.
Não só os motoristas de carros e ônibus respeitam os ciclistas, como parece que toda a população, especialmente a das pequenas cidades e do campo, os saúdam e olham com simpatia, como que se sentindo prestigiados pela visita.
E que povo simpático o alentejano!
Como parecem gostar de dar informações e dicas sobre caminhos e locais para comer, por exemplo. Por falar em locais para comer, outra ótima surpresa do interior de Portugal: mesmo os mais simples bares se destacam pela limpeza do local e dos banheiros (o que para mulheres que viajam de bicicleta faz toda a diferença!) e pelo bom café expresso.
Grata surpresa, ainda mais para quem, como jornalista especializada em agricultura, já viajou muito pelo interior do Brasil e sofreu com a falta de limpeza e infraestrutura em muitos locais.
As paradas para admirar campos de oliveiras, vinhedos e sobreiros, e rebanhos de carneiros, porcos negros, característicos do Alentejo, e bovinos, além das degustações nas vinícolas, são outro ponto forte da viagem. E olha aí outra vantagem desse tipo de turismo: permite comer (e beber, desde que com moderação, para não cair da bike…) sem culpa, já que muitas calorias serão queimadas pelo caminho.
Cristina Rappa é jornalista especializada em agricultura e meio ambiente, autora dos livros infanto-juvenis “Topetinho Magnífico” (Ed. Melhoramentos, 2012) e “Florestas”(Melhoramentos, 2014), é louca por uma bicicleta e, sempre que pode, troca as quatro rodas por duas e sai por aí para passear e observar aves.