Preta Trucker: remando contra a maré

Mais do que uma boa comida, em geral, os frequentadores dos food truck espalhados pela cidade de São Paulo estão em busca de uma experiência gastronômica diferenciada. E foi exatamente de olho neste contingente que um grupo de investidores, liderado pela empreendedora sustentável Adriana Barbosa, criou o Preta Trucker.

As boas surpresas gastronômicas começam no primeiro gole do Djinjan (bebida concentrada de gengibre com frutas cítricas, de origem africana), ofertada aos clientes do caminhão em sua estreia, no domingo 28/2, numa rua do bairro de Moema, na zona sul.

É bem verdade que a bebida não é assimilada facilmente por conta de sua forte picância, mas já no segundo ou terceiro gole ela se mostra interessante e capaz de despertar minhas memórias gustativas de infância – lembra Yakult. Pois bem, em meio à agitação das dezenas de cozinhas sobre rodas presentes ao evento Moema Food Trucks, o Preta Trucker chamava a atenção.

Não somente por sua proposta gastronômica, como também pelas pessoas envolvidas neste projeto.

De acordo com Adriana, coordenadora do projeto, a comida dialoga com a diáspora africana. No Preta Trucker, os ingredientes africanos são misturados a pratos de outras culturas, como é o caso do “Hamburguer Senegal” ­– especialidade tipicamente norte-americana que recebeu um toque especial de um molho com especiarias (é delicioso e o meu favorito no enxuto menu), ou ainda o “Uganda Chip Banana”, resultado da fusão de um prato da Colômbia com um molho típico daquele país africano.

“A ideia é popularizar e mostrar que a comida afro é gostosa, comercial e precisa ser reconhecida”, destaca Adriana. Para ela, as misturas ajudam na assimilação dos brasileiros e demais latinos. “Não somos africanos, por isso, temos de adaptar as receitas ao nosso paladar.”

Sim, a gastronomia afro é uma realidade em nossas mesas há muitos anos. Digamos que praticamente desde que Brasil se chama Brasil. Isso porque os pratos consumidos pelos brasileiros, hoje, são o resultado da combinação de três culturas: indígena, europeia e africana. Apesar disso, não damos a importância devida às suas vertentes afro e indígena.

Quem nunca provou uma deliciosa moqueca, cocada ou galinha com quiabo? São pratos do dia dia dos brasileiros e que em São Paulo, por exemplo, ganharam até um certo ar requintado. Pois é, você sabia que eles carregam uma influência direta de países como Angola e Uganda?

Ingredientes conhecidos, combinações diferenciadas

“Nossa, que exótico!”. Parece até ironia, mas foi o que Adriana ouviu de muitos que chegaram ao Preta Trucker. “Não usamos nada que não tenha nas feiras e mercados tradicionais, os ingredientes utilizados fazem parte da nossa vida, o diferencial são as combinações e os nomes que damos aos pratos”.

Infelizmente, muito do que envolve as culturas afro e indígena, ou que não esteja de acordo com o padrão europeu e americano, é considerado “exótico” por uma parcela expressiva dos brasileiros.

Por conta disso, é uma sorte dos paulistanos terem acesso a um projeto com esta pegada. Além de remar contra a maré, ajuda a democratizar a culinária da diáspora. Neste contexto, não seria exagero apostar que o Preta Trucker tem como missão revolucionar a gastronomia das cozinhas sobre rodas, como também ajudar no processo de requalificação da percepção popular da história de um povo.

Ah, já ia esquecendo. A comida é boa, o preço é justo e a causa é extremamente nobre. Prove, você vai se surpreender.

“PREENCHEMOS UM ESPAÇO POUCO EXPLORADO DO MERCADO”

A seguir os principais trechos da entrevista concendida pela empreendedora sustentável Adriana Barbosa ao criador de 1 Papo Reto, Rosenildo Ferreira.

Como surgiu a ideia de apostar num food truck com pegada étnica?

Na verdade, o Preta Trucker é uma evolução do Degust’Afro, projeto idealizado por mim e pelo multi-artista negro e chef Paqüera, em 2013, durante o Feira Preta Week. Na ocasião, levamos ao Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena, iguarias da culinária afro-brasileira. Na época percebemos que faltava uma iniciativa inspirada na culinária de matriz africana, gerida por afrodescendentes. Três anos depois, essa lacuna ainda existia e decidimos ocupar esse espaço de vez. O truck surge por ser uma grande tendência mundial que vem dando certo, além disso, permite mobilidade ao negócio ao ocupar diferentes partes da cidade.

Os food trucks nasceram como uma espécie de modismo, há cerca de dois anos. Agora, enfrentam sua prova de fogo que é a depuração natural do mercado. O fato de os operadores do negócio serem da área gastronômica é que lhe dá a certeza de que ainda vale a pena apostar neste nicho?

Com certeza, isso ajuda muito. O talento do chef Roberto Felício é admirável. Mas não é só isso, no país mais negro fora do continente africano o Preta Trucker preenche um espaço ainda pouco explorado mesmo por restaurantes tradicionais. Hoje, somos o único food truck com essa característica.

Como vocês conseguiram estas receitas? Foi difícil a adaptação?

Muitas das receitas fazem parte do livro Gula D’África | O Sabor africano Na Mesa Do Brasileiro, organizado por Flávia Portella. A ideia é justamente revelar o quanto da comida africana já consumimos sem saber a origem, a exemplo da banana da terra, da mandioca e do azeite de dendê. Ou seja, temos a maioria dos ingredientes. A dificuldade que estamos encontrando agora é para aprimorar a carta de vinhos. São poucas as distribuidoras que trabalham com vinhos africanos.

Quanto está sendo investido neste projeto e qual a expectativa de retorno?

Por razões estratégicas e de negociações diversas, prefiro não divulgar o investimento. Mas, afirmo que, como optamos por não adquirir o truck (veículo) e sim locá-lo, o investimento não foi exatamente alto. Foi o modelo de parceria que entendemos ser o mais viável no momento. A expectativa inicial é de 20% sobre o investimento de cada evento realizado, que contempla a compra dos produtos e o pagamento de equipe envolvida na execução e divulgação do Preta Trucker.

Texto atualizado às 18h30 de 2/3