Uns (bons) tempos atrás, uma amiga suíça me perguntou sobre os principais destinos turísticos no Brasil. Disse o óbvio: primeiro, conheça o Rio de Janeiro e Salvador. Da primeira vez que visitou o país, ela foi à capital fluminense. Já Salvador, ela trocou pelas cidades históricas de Minas Gerais. Numa segunda vez que minha amiga desembarcou por aqui, fomos juntas à Bahia e eu lhe disse: “Da próxima vez você deve ir a Belém do Pará. É a porta de entrada para a Amazônia”.
De fato. Belém, essa joia encravada na região Norte, às margens do Rio Guamá na baía do Guajará, festeja seus 400 anos de vida no próximo dia 12, com diversas homenagens. Uma vem na forma de um livro organizado por duas professoras da pós-graduação de história da Universidade Federal do Pará (UFPA), Maria de Nazaré Sarges e Franciane Gama Lacerda: Belém do Pará – História, Cultura e Cidade – para além dos 400 anos (Editora Açaí).
Os 11 artigos assinados pelos acadêmicos da UFPA examinam fatos históricos interessantes. Está presente a Cabanagem, que transformou a capital paraense, em meados do século 19, no palco de um conflito sangrento que causou a morte de cerca de 40 mil pessoas. A revolta social tem esse nome, pois é uma referência à moradia dos rebelados contra as tropas portuguesas: mestiços, indígenas, negros e outros populares que viviam em cabanas.
O ciclo da borracha não poderia ficar de fora da publicação organizada pelas professoras Maria de Nazaré e Franciane. Fala-se da riqueza que formou a alta burguesia local e deu a Belém a paisagem com um belo casario. Tanto que, no século 19, a cidade chegou a ser conhecida como a mais europeia das capitais brasileiras.
“Aqui, tem uma nostalgia daquela época da borracha. Espera-se que aquilo volte. É um fetiche: ficar sempre esperando”, conta José Maria de Castro Abreu Junior, professor de Patologia na UFPA e doutorando em história.
Interessado na história da cidade, Abreu Junior também contribuiu com o livro. Ele discorreu sobre a pandemia de Gripe Espanhola e seus efeitos na população, em 1918.
Essa era a vida da capital do Pará antigamente… e a cidade tocou para a frente. Os belenenses transformaram a paisagem urbana nas últimas décadas. Em 2000, houve uma bem-sucedida revitalização da Estação das Docas, inspirada no portenho Puerto Madero. Em 2005, foi a vez da inauguração do Mangal das Garças, um complexo de 40 mil metros em uma área antes utilizada pela Marinha.
O conjunto de casarões históricos, para quem gosta de cultura, estão lá. Nem sempre bem conservado, é verdade, mas possível de ser avistado num rolezinho pela cidade. O Espaço Cultural Casa das Onze Janelas é uma boa pedida, ao menos veja que belo trabalho de restauração foi feito.
Uma passada no Mercado Ver-o-Peso é obrigatória, bem como comer açaí e tacacá, dar um pulo no Museu Emilio Goeldi para apreciar o lago com vitórias-régias e tomar um sorvete de algum sabor diferentão como bacuri.
O centro histórico é sombreado por frondosas mangueiras. Quem vai a Belém sabe que, quando chove, é bom cobrir a cabeça com algo mais resistente que um guarda-chuva. Periga cair manga lá de cima.
Abreu Junior julga que a urbanização da cidade teve pontos altos e outros nem tanto. A mobilidade urbana anda ruinzinha que só, conta ele. O boom da venda de carros dos últimos anos entupiu as veias urbanas.
“Antes, eu dizia que as ciclovias pareciam autoramas: ficavam girando e não levavam a lugar algum”, brinca. Hoje, as ciclovias levam a vários cantos, mas o calor é extremo em Belém e muitos continuam preferindo, quando possível, o ar-condicionado dos carros.
A cidade “inchou”, diz ele, que evita certos bairros no horário do rush por causa do trânsito. Para resolver esses problemas, Belém entrou na onda do BRT (em inglês: Bus Rapid Transit), mas por enquanto a situação é caótica. As obras estão em andamento, com constantes escavações e interdições que causam tumulto na vida dos belenenses.
Daqui do Sudeste, torcemos para que a cidade nunca perca seu encanto, sua culinária e a simpatia dos seus habitantes. E que também não perca sua língua, tão peculiar e própria. A influência da cultura herdada dos portugueses misturada à dos nativos indígenas resultou em palavras como carapanã (mosquito), cuíra (inquietação), canto (esquina) e osga (lagartixa).
O livro que é lançado nesta quinta-feira pode ser lido tanto por acadêmicos e interessados em história do Brasil, como por turistas que desejem conhecer um pouco mais a capital do Pará. Para minha amiga suíça, que nunca mais voltou ao Brasil, eu diria o mesmo: Vá a Belém do Pará!
Lançamento do livro “Belém do Pará – História, Cultura e Cidade – para além dos 400 anos”
Quando: hoje (7/1)
Horário: às 18h30
Onde: Casa das Artes (do lado da Basílica de Nazaré)