Em meados de 1993, quando morava em Londres, fui acompanhar o Festival de Jazz da cidade e aproveitei para cobrir a apresentação dos brasileiros Tania Maria e Naná Vasconcelos. Naná havia formado um grupo chamado de Inclassificable, que reuniu um time de cinco instrumentistas, entre os quais o saxofonista Andy Sheppard e o tecladista Steve Lodder, dois dos mais celebrados jazzistas britânicos.
Naná era o líder. Ali, no meio do palco, ele impressionava com a capacidade de tirar inúmeros sons da corda do berimbau (instrumento que ele alçou a uma dimensão planetária!). De um apito. De dois pedaços de madeira. Ou mesmo de suas cordas vocais. Tudo isso com uma leveza desconcertante.
Ao final do espetáculo, me aproximei do palco e troquei umas palavras com ele, para uma crônica que foi publicada, dias depois, no jornal Correio Braziliense, da capital federal.
O espetáculo foi marcante. Em todos os sentidos.
Não apenas porque pude comprovar, in loco, o sucesso deste virtuoso músico brasileiro, celebrado pela imprensa especializada e também pela plateia. Sua trajetória internacional ganhou impulso na década de 1970, quando se tornou presença obrigatória em alguns dos principais festivais de jazz do planeta. Inclusive em sua terra natal.
No Carnaval de 2016 no Recife, Naná foi o grande homenageado. Liderou a batucada com maestria e mostrou disposição juvenil, mesmo para alguém que estava tentando vencer um câncer no pulmão. A homenagem dos recifenses, em particular, e dos pernambucanos, em geral, não foi obra do acaso. Foi resultado da admiração, construída a partir de uma relação de pertencimento, parceira e amizade recíprocas.
Apesar de viver no mundo, Naná sempre que podia voltava a Olinda, sua terra natal, e ao Recife. Foi neste pedaço de Pernambuco, aliás, que fundou o projeto ABC das Artes Flor do Mangue, que tem a percussão como alavanca de construção da autoestima, desenvolvimento da criatividade e formação profissional. Repetiu a dose em São Paulo com o projeto ABC Musical 2002, em parceria com o maestro e professor da Universidade de São Paulo Gil Jardim.
Ao lado do casal Flora Purim e Airto Moreira, abriu as portas da cena mundial global para uma geração de percussionistas, como Paulinho da Costa. Poucos se atentam ao fato de que no disco Thriller, o mega blaster sucesso de Michael Jackson que dividiu a música pop contemporânea entre em A.T. e D.T (antes e depois de Thriller), a “cozinha” é comandada pelo carioca Paulinho.
Mas Naná, ouso dizer, foi o maior de todos eles. Alguns números indicam isso. Um deles é a pesquisa realizada pela prestigiosa revista Downbeat na qual foi eleito o Melhor Percussionista do Ano por sete vezes consecutivas (1984-1990).
Guimarães Rosa dizia que algumas “pessoas não morrem, ficam encantadas”. Com sua criatividade musical e sua capacidade de revelar a beleza em todas as coisas a partir dos sons, Juvenal de Holanda Vasconcelos, que nos deixou nesta terça-feira 9/3, aos 71 anos, certamente faz parte do grupo dos encantados.
Um dica: No site oficial do músico é possível ouvir algumas das poesias compostas e tocadas por ele.
Texto atualizado às 21h de 9/3.