A literatura costuma dedicar um espaço muito grande aos vencedores e aos protagonistas de determinada história. Isso acontece em praticamente todos os países do ocidente. E no Brasil não haveria de ser diferente. Especialmente quando se fala das revoluções e das grandes causas nacionais como a abolição da escravatura negra. Corra até a
estante de sua casa, caro leitor, e pegue um livro de história ou faça uma pesquisa no Google e você descobrirá o pouco espaço dado ao baiano Luiz Gama.
Mesmo quando se destaca sua relevância na trincheira do abolicionismo (foi responsável pela libertação, nos termos da lei, de 500 escravos), esquece-se de sua contribuição a um saber maior. Afinal, mesmo sem diploma superior*, Gama era um refinado intelectual que atuou como jornalista, escritor e pensador destacado.
“Nós, negros, dificilmente somos lembrados pela qualidade de nossa produção acadêmica”, critica Lígia Ferreira, uma das maiores especialistas na vida e na obra do abolicionista. Pois será sob a inspiração deste célebre baiano, que viveu quase toda a sua vida em São Paulo, que acontecerá a 4ª edição da FlinkSampa – Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra, nos dias 18 e 19 de novembro, no Memorial da América Latina.
“A Flink se consolidou como um patrimônio da cidade de São Paulo e do Brasil”, diz José Vicente, reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, promotora do evento ao lado da ONG Afrobras. O evento foi lançado nesta terça-feira, 2/8, na capital paulista.
Sob o lema “Eu quero liberdade!”, o evento está mais ambicioso do que nunca. Por meio de parcerias com empresas privadas, o Ministério da Educação, o governo de São Paulo e a prefeitura da cidade, os organizadores prometem alçar o evento a um novo patamar.
Para isso, além dos debates literários reunindo escritores de 12 países da Europa, da África, da América Latina e do Caribe haverá também atividades diversas na área do saber.
A lista inclui o 1º Prêmio Flink de Literatura e o 1º Prêmio Internacional de Investigação Histórica Agostinho Neto, herói da independência de Angola, e um festival de curta-metragem. O Festival de Curtas Afrominuto será voltado a estudantes da rede básica de ensino e as produções baseadas na vida e obra de Luiz Gama obrigatoriamente devem ser feitas com smartphone.
“Embora muito se diga sobre o espaço conquistado, pouco se reflete sobre o que ainda nos falta”, destaca Francisca Rodrigues, presidente da FlinkSampa. “Estamos falando de direitos fundamentais, de preconceitos e de violência. O evento se propõe a ser instrumento e palco para essas discussões.”
Na lista dos escritores que já confirmaram presença estão o premiado cubano Carlos Moore, autor da biografia do músico nigeriano Fela Kuti, o francês Jean-Paul Delfino, que escreveu a coletânea Suite Brésilienne, e o paulistano Ferréz, autor de “Capão Pecado”. Quem comandará a mesa de abertura dos debates sobre a obra de Luiz Gama será o jurista Joaquim Barbosa, ex-presidente do Superior Tribunal Federal (STF).
*Luiz Gama se matriculou na USP, mas foi expulso da Faculdade de Direito, do Largo de São Francisco, pelos estudantes. Por isso, atuou como rábula, profissional que mesmo não sendo formado podia apresentar processos e defender réus.