Às vezes é necessário ser “surdo”

Desde que me tornei agricultora orgânica superar desafios, buscar informações, errar, consertar e aprender se tornaram minha rotina.  Quando optei por embarcar nessa aventura eu tinha dois recursos: o sítio (a terra) e o aval dos meus pais. E zero conhecimento técnico, o que é fundamental para produzir alimentos e ter qualidade.

E quando a informação de que iríamos iniciar um projeto de produção orgânica começou a se espalhar na cidade, contamos algum incentivo e ajuda, mas o que mais ouvíamos é que não ia dar certo. “Impossível cultivar limão orgânico”, por exemplo. “Se no convencional já está difícil, imagine no orgânico”. Cândido Rodrigues é uma pequena cidade agrícola do interior de São Paulo que se intitula Capital do Limão. Vivem aqui pequenos e médios agricultores, todos com produção agrícola convencional.

Realmente não é fácil. De tudo que eu ouvi, uma das principais dificuldades do cultivo orgânico é que o ninguém me disse: o controle do mato. Como estamos investindo em frutas e as plantas ainda estão pequenas, as capinas precisam ser constantes. E quando você pensa que terminou de capinar, olha para trás e o mato está lá novamente.

Mas, muitas vezes na vida, para se conquistar algo, é necessário ser um “sapinho surdo”, como na fábula.  Por não ouvir a multidão que dizia “que pena, você não vai conseguir” o sapinho surdo chegou no alto da grande torre. Não sou surda aos problemas que dizem que eu vou ter. Sei muito bem que são reais. Mas uso as informações para tomar medidas preventivas.

O primeiro passo nesta empreitada de produzir orgânicos foi contratar um consultor. Foi ele quem nos orientou sobre como deveríamos proceder para iniciar a transição do sistema agrícola convencional, para o sistema orgânico. Formar as barreiras (cerca viva) para impedir que o agrotóxico do vizinho chegue à nossa produção; iniciar o registro do antes, do depois e de todas as atividades para ter histórico; fazer as mudanças de manejo necessárias, como descartar produtos químicos e passar a utilizar apenas insumos aprovados para a agricultura orgânica. 

O período de transição do convencional para o orgânico é de no mínimo um ano e meio. Durante esse tempo, mesmo que as plantas recebam tratamento orgânico, as vendas continuam sendo para o mercado convencional. Como fomos bem orientados e não precisamos fazer ajustes, conseguimos a certificação orgânica depois de um ano e nove meses. Nosso certificado é por auditoria, pelo IBD Certificações.

Vencido o desafio da certificação. E agora? Para quem vender? Conseguimos o nosso primeiro cliente, que alegria. E agora? Como vamos transportar? Apesar de estarmos em uma cidade estruturada para escoar a produção local, não nos encaixávamos no modelo existente, já que o transporte de orgânicos tem regras próprias, para evitar contato e possível contaminação. 

Totem destaca importância da fruta na economia do distrito

Encontramos uma distribuidora de frutas em uma cidade a 25km de nós, que atende às regras de transporte e leva nossa produção até São Paulo. E aqui entra uma característica muito particular e especial do mercado orgânico que eu sempre gosto de lembrar: o esforço de todos os envolvidos. Nossos clientes fazem o esforço de retirar o produto no centro de distribuição da empresa na capital paulista. E temos clientes no Paraná e em Minas Gerais, além de São Paulo. E na medida do possível, colocamos nossa produção dentro do carro e fazemos as entregas nas cidades da região.

No meio do turbilhão que atravessamos para iniciar as vendas e organizar o transporte, nasceu o desejo e a necessidade de termos uma marca. Foi assim que surgiu a Laverani Orgânicos, no início de 2019. O nome significa Lavoura Civolani, uma homenagem ao nosso avô materno, Duílio Civolani, de quem herdamos o sítio. 

Cada elemento que compõem a nossa logo tem um significado: as linhas representam o solo, o campo; as folhas a diversidade de produção, meus dois irmãos e eu; e o círculo a união, a sustentabilidade e o sol.  Hoje, depois de dois anos e meio envolvida neste mundo agrícola e já colhendo alguns frutos, o que eu sei é que tenho muito, muito mesmo por aprender ainda. Na tentativa de minimizar a angústia gerada pela falta de conhecimento (muitas vezes eu sinto como se não soubesse ler) e por ter entendido que na agricultura orgânica o mais importante é cultivar o solo, voltei a estudar.

Além de participar de grupos, de visitar outros produtores, ir a palestras e cursos rápidos, estou fazendo uma especialização em Solo e Nutrição de Plantas pela ESALQ/USP. E vamos em frente, tentando fazer a pequena parte que está ao meu alcance para produzir alimentos mais saudáveis e em harmonia com a natureza.

Nota da Redação: essa é a segunda crônica sobre a transição de carreira da jornalista Milena, que decidiu converter o sítio da família numa produtora de frutas orgânicas. A cada 15 dias ela vai contar alguns detalhes de sua jornada. O primeiro texto pode ser acessado aqui.

Milena Miziara

Autor: Milena Miziara

Sobre o/a Autor(a) Milena Miziara é jornalista. Desde 2019 também atua como sócia-fundadora da marca de frutas Laverani Orgânicos (SP)


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