O desafio da transição de carreira: do jornalismo à agricultura orgânica

Para transformar uma produção convencional em orgânica, é preciso cumprir um período de transição. Para mim, a transição do sítio da minha família do manejo agrícola convencional para o orgânico aconteceu em paralelo à minha transição de carreira. Deixei meu trabalho como assessora de imprensa em uma multinacional do setor automotivo para me tornar agricultora.  Eu costumo brincar que, se seis meses antes de iniciar meu projeto de agricultura orgânica alguém me dissesse que eu me tornaria agricultora, eu ia dar risada e dizer: Impossível!

Por mais que o sonho de ter um plano B sempre tenha habitado em mim, a agricultura nunca esteve entre as alternativas que passaram pela minha cabeça. Mas o dia que passou, se tornou uma ideia tão clara, em que tudo se encaixava tão perfeitamente, que eu quase não conseguia pensar em outra coisa. Em cada lugar que eu ia, cada viagem que eu fazia, era como se uma tela luminosa piscasse na minha frente indicando que era o caminho que eu deveria seguir. E comecei a buscar informação, a conversar com pessoas, a procurar cursos, a ir a feiras como a Biofach – Bio Brazil Fair America Latina e a Green Rio, eventos que discutem a produção e o mercado de orgânicos.  

A minha ideia inicial era conciliar o meu trabalho no mundo corporativo com a produção de orgânicos. E fiz isso durante um ano. Em 2016, retomamos a administração do sítio que estava arrendado e iniciamos a transição para o manejo orgânico. Mas, cada vez que eu ia ao sítio, aumentava meu sentimento de que eu precisava estar mais perto para fazer o projeto decolar. A distância física (eu morava em Curitiba e o sítio fica em Cândido Rodrigues, cidade do interior de São Paulo, distante 750km da capital do Paraná) praticamente inviabilizava a necessidade de “acompanhar de perto” o desenvolvimento da produção.

E foi assim que o sentimento de que eu deveria acelerar a transição de carreira começou a pulsar dentro de mim e a se tornar cada vez mais forte. Primeiro comentei com os amigos, depois com a família e estendi a conversa a alguns poucos colegas de trabalho. Senti muito pouca resistência. Sempre tem um ou outro que te aconselha a pensar melhor, a esperar mais um pouco. E aquele conflito aumentava dia a dia dentro de mim, até que, em julho de 2017, eu comuniquei a minha decisão de sair e, em novembro, eu deixei a empresa.

Muitos me chamaram de corajosa, disseram que gostariam de fazer o mesmo, e outros pensavam que eu estava louca por pensar em trocar um emprego de assessora de imprensa em um multinacional do setor automotivo, onde era bem remunerada e respeitada pela qualidade técnica e minha formação, para recomeçar do zero em uma área totalmente nova! Não deixei o mundo corporativo porque eu estava infeliz, mas sim porque eu via uma oportunidade de estar numa atividade que me conecta com muito do que eu gosto e acredito.

O que eu posso dizer hoje é que não houve um planejamento para fazer essa transição de carreira. As coisas foram acontecendo e eu fui reagindo, muito mais baseada no coração/emoção do que na razão. Claro, não fui irresponsável. Eu pesquisei o mercado (que cresce de 15% a 20% ao ano independente de crises financeiras), as oportunidades e as demandas. Percebi que não era um mercado saturado. Ou seja, seria mais fácil eu entrar e competir com quem já está estabelecido. Se eu deixasse para acelerar o projeto em alguns anos, talvez tivesse mais dificuldade para entrar no mercado. A demanda por orgânicos ainda é mais alta que a oferta, especialmente em frutas. E é na produção de frutas orgânicas que estamos investindo.

Eu também tinha reservas financeiras, e isso facilitou a minha decisão. Além disso, conto com a ajuda da minha irmã e meu cunhado, que desde o início se dispuseram a investir no sítio.

Plantação de maracujá, na Fazenda LaveraniMesmo com toda a perspectiva positiva, não é fácil. Deixar o mundo corporativo foi fácil. O mais difícil é a mudança de vida.  Além da dificuldade de reconstruir o sítio e trabalhar com algo que exige um conhecimento técnico que eu não possuía, deixar a vida que eu tinha, os amigos que se tornaram família e me reacostumar a viver com recursos financeiros muito limitados até que o sítio esteja 100% produtivo, foi e ainda é a parte mais difícil. 

E se eu pensava que trabalhava muito antes, hoje eu trabalho muito mais. Muita gente acredita que a vida no campo é mais tranquila. Ilusão. O trabalho no campo exige dedicação em tempo integral, e assim como no jornalismo, você não pode perder o “time”, sob o risco de perder a sua produção.  

Por outro lado, há muitos benefícios e compensações. Estou mais perto da minha família e, apesar dos conflitos, restabeleci um convívio com os meus pais que eu tinha perdido há mais de 20 anos.

Outro ponto positivo é que a agricultora tem me proporcionado muitos resgates. O resgate da história da minha família materna, ao dar continuidade ao trabalho do meu avô.  O resgate da produção agrícola mais natural, de quando ainda não existiam tantas opções de insumos químicos e agrotóxicos.  O resgate do sabor dos alimentos, uma vez que a redução de químicos no cultivo proporciona alimentos mais saborosos.

Hoje, eu me sinto muito mais conectada com o quem eu sou de verdade. E este é apenas o início dessa minha nova trajetória. A cada dia que passa, vejo que as oportunidades são inúmeras, e sei que seguir meu coração me colocou no caminho certo.

Milena Miziara

Autor: Milena Miziara

Sobre o/a Autor(a) Milena Miziara é jornalista. Desde 2019 também atua como sócia-fundadora da marca de frutas Laverani Orgânicos (SP)


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