Numa tarde de verão de 2003, o jovem Kumi Rauf fez uma caminhada pelo campus da Universidade da Califórnia, na cidade de Santa Bárbara. Mal sabia ele que, com aquele gesto, à primeira vista banal, estaria fazendo história. Isso porque, a cada 20 metros ele era parado por alguém que lhe perguntava onde havia comprado a camisa que estava vestindo. Uma T-shirt comum, mas que se travestia de algo revolucionário por conter a icônica frase: “I Love Being Black” (Eu Amo Ser Negro).
“Foi a forma que encontrei para mostrar o que, aos olhos de muitos poderia ser um fardo, era na verdade um prazer”, disse ele a 1 Papo Reto em meio a sua mais recente passagem pelo Brasil – país que ele aprendeu a gostar, especialmente quando se trata da cidade de Salvador.
Rauf não sabia contudo que, mais que um manifesto de repúdio à forma como os afroamericanos eram tratados na universidade, ele estava dando o primeiro passo para a criação de uma das mais vibrantes startups do Vale do Silício – região conhecida como o berço da revolução tecnológica da internet.
Hoje, ele comanda uma plataforma de internet, composta por um portal de vendas on line e uma página no Facebook com 6,5 milhões de fãs. O que faz dele o afroempreendedor mais conhecido do mundo.
Só que ao contrário de Bill Gates e Steve Ballmer (fundadores da Microsoft) e Steve Jobs (criador da Apple), Rauf concluiu a faculdade de informática, mas decidiu inovar a partir de uma empresa social, como passaram a ser conhecidos os negócios inovadores com uma pegada comunitária e um viés sustentável. Porém, em nenhum momento desprezou as ferramentas da Tecnologia da Informação (TI) que, aliás, ele domina largamente.
Entre a produção da camiseta-protesto e a criação da empresa iLBB (acrônimo para a frase que mudou sua vida), se passaram cinco anos.
Neste período, Rauf atuou como desenvolvedor de aplicativos (app) em empresas da região. “Apesar de fazer o que gostava, não estava feliz”, diz. “O mundo corporativo americano, no qual as pessoas passam o dia trancados dentro de um escritório, não era para mim.”
Em 2008, Rauf largou o emprego e resolveu se tornar um empreendedor. Partiu de cara para as redes sociais, onde usou seu farto conhecimento para construir uma ampla teia de relacionamentos e alimentar seu site de e-commerce no qual comercializa produtos da linha iLBB. Mas esta é apenas uma das atividades deste jovem visionário, que acumula a função de consultor de estratégias de internet, além de atuar como conselheiro em campanhas de marketing e proferir palestras sobre diversidade.
Nos últimos cinco anos ele já passou por 30 países de todos os continentes, fazendo palestras em faculdades, empresas e em fóruns com pegada de empreendedorismo social. “Apenas neste ano eu já estive no Haiti, na Jamaica, no Panamá, no Brasil e no Japão”, conta. Antes de desembarcar neste último, o fundador da iLBB ouviu de inúmeras pessoas que a viagem poderia se converter em um fiasco.
Diziam-lhe que não tinha lógica falar de um tema como este, em um país no qual a presença dos negros é próxima do zero. Para variar, estavam enganados. “Fiz uma ampla pesquisa sobre o Japão e descobrir que o primeiro estrategista militar do país tinha sido um homem negro”, conta.
A capacidade de fazer negócios e de enxergar os desafios como um oportunidade de vida sempre funcionaram como combustível para a trajetória de vida deste americano.
De fato, Rauf tem muitas lições a passar a empreendedores de todos os cantos do planeta. Negros ou não.
Segundo ele, o sucesso na trajetória empresarial não deve prescindir da inovação. “E preciso analisar o que temos ao nosso redor, identificar os problemas e propor soluções”, explica. “Quem seguir estes passos tem chances de ser bem sucedido.”
Aliás, a intuição do primeiro momento, quando criou a frase, em 2003, só se transformou em um negócio porque Raulf usou seu conhecimento em TI para estruturar uma ampla rede de relacionamentos.
Neste contexto, o Facebook foi vital. Para chamar a atenção para sua página, ele começou a contar histórias inspiradoras como a do jovem americano James Martin que se graduou na Florida Atlantic University (FAU) em biologia molecular, aos 17 anos.
Martin virou celebridade instantânea e passou a ser cortejado por gente do calibre da diva pop Beyoncé, que o convidou para ir a um dos seus shows. “Bem que eu gostaria de estar com ele neste momento”, brinca Rauf.
Essa estratégia, aliada à sua forte presença na comunidade fizeram com que a página de Facebook da iLBB se tornasse uma das campeões de audiência, batendo a marca de 1 milhão de fãs em apenas dois anos.
Rauf ainda acredita que em pleno século 21, a questão racial segue como um tema desafiante nas relações entre os americanos, especialmente como os negros são vistos pelos órgãos de segurança. E os inúmeros casos recente de morte de jovens negros pelas mãos da polícia mostram que ainda há por ser feito.
“A conquista da igualdade em matéria de direitos e do respeito depende da união da comunidade negra”, avalia. “Infelizmente, ao contrário de árabes e judeus, nós ainda estamos muito longe disso.”