A pandemia de COVID-19 provocou impactos em todos os setores da economia. Esse quadro, no entanto, se mostrou ainda mais perverso para alguns agentes da Economia Criativa, como é o caso dos artistas (compositores e músicos) e técnicos (produtores, iluminadores e técnicos de som) que compõem o segmento de áudio. Afinal, boa parte do rendimento desse contingente depende da interação com o público: shows, gravações de especiais para rádios e TVs etc.
“A cada nova onda de contágio do coronavírus, o setor da música é o único a enfrentar restrições”, diz a consultora Dani Ribas, diretora da Sonar Cultural Consultoria. “Considerando que a Economia Criativa representa 2,4% do PIB (de acordo com dados de 2018, da Firjan), essa criminalização é uma burrice, para dizer o mínimo.”
A análise e as ponderações feitas por Dani, doutora em Sociologia pela Unicamp e especialista em estratégias criativas para o desenvolvimento de carreiras artísticas, estão ancoradas em dados qualificados. Alguns deles foram mapeados pela pesquisa COVID-19 Impacto no Mercado da Música no Brasil, dirigida por ela e realizada pelo DATA SIM.
O trabalho – conduzido de forma remota e que abrangeu 536 empreendedores do setor, baseados em 21 Estados – indica que, apenas neste universo, os prejuízos com o cancelamento de 8.141 eventos somaram R$ 483,2 milhões. Levando-se em conta o total de 62 mil CNPJ registrados nas categorias analisadas, o potencial de perda é estimado em R$ 3 bilhões (veja nos quadros abaixo).
Números que, de acordo com Dani, já seriam suficientes para que o poder público intensificasse as ações de suporte aos empreendedores dessa vertente econômica, assim como aconteceu em diversos países. “No mundo inteiro pipocam iniciativas governamentais de resgate aos setores mais afetados pela pandemia: companhias aéreas, casas noturnas, profissionais da cadeia produtiva da música”, destaca.
A vez dos podcasts e do streaming de música
Apesar do cenário desafiante, para dizer o mínimo, o segmento de áudio mantém boas perspectivas em médio e longo prazo. Graças, em boa medida, à adesão maciça dos brasileiros às plataformas digitais de áudio. Trata-se de um público estimado em 100 milhões de consumidores, segundo pesquisa realizada pela TV Globo e o Ibope.
Outro dado que salta aos olhos nesse levantamento é o rápido crescimento dos podcasts, no acumulado 2019-2020, quando 57% dos brasileiros aderiram a esta modalidade de áudio. Resultado: com uma massa de 28 milhões de ouvintes, o Brasil se tornou o quinto maior mercado global de uma indústria que fatura US$ 1 bilhão por ano, de acordo com pesquisa da consultoria Deloitte.
Dani: "O setor de cultura foi criminalizado durante a pandemia"Diversos fatores têm influenciado no fortalecimento da indústria de áudio. O primeiro deles foi a necessidade de gravadoras e artistas se reinventarem, após os estragos causados pelo Napster. Criado em 1999, o aplicativo de compartilhamento de músicas na internet viabilizou a pirataria em larga escala. O avanço do streaming, a maior parceria entre gravadoras e artistas, além do barateamento dos custos de gravação, abriram as portas do mundo para produtores, compositores e intérpretes de todos os cantos do planeta.
A partir daí, como destacado na reportagem Salvador recebe investimentos para dar o novo tom da música brasileira com apoio da Vale do Dendê (link abaixo), integrantes de cenas musicais fora do eixo Rio-São Paulo puderam acessar mais facilmente públicos de diversas regiões e até países. Os bônus vieram acompanhados de ônus: “Além de compor, produzir e gravar, os integrantes da cena independente se viram obrigados a adicionar novas funções e atributos aos seus repertórios”, pontua a pesquisadora da Sonar Cultural Consultoria.
É neste ponto que ganha ainda mais importância a iniciativa da Vale do Dendê de criar um programa focado em empreendedores de áudio. Após passarem por um rigoroso funil, 20 empresas (15 de música e 5 de podcast) ingressam em uma jornada que está prevista para encerrar neste mês. “O fato de as produtoras serem tocadas por poucas ou apenas uma pessoa, faz com que uma dor recorrente seja a da gestão do negócio”, diz Saulo Amorim, gestor de comunidades da Vale do Dendê.
Nesse balaio, ele inclui outros atributos para que um negócio prospere, independentemente da qualidade artística do líder da iniciativa. “O empreendedor é especialista em produção de áudio ou podcasts, mas não tem conhecimento suficiente para cuidar, por exemplo, da gestão da empresa, do jurídico ou mesmo do marketing. E essas áreas são essenciais para que o negócio cresça e se desenvolva de forma mais estruturada, tanto quanto a atividade-fim, que é a produção”, completa.
A primeira fase do programa da Aceleradora Vale do Dendê está prevista para encerrar no final de fevereiro. A partir daí, os 15 produtores de música e os cinco de podcast utilizarão a verba de fomento (de R$ 50 mil e R$ 20 mil, cada, respectivamente) para investir em projetos de desenvolvimento de artistas e conteúdos focados em talentos da Região Metropolitana de Salvador.
“Nosso objetivo é que esse capital semente seja utilizado para impulsionar a carreira de artistas e profissionais iniciantes. Entendemos que isso ajuda a potencializar o impacto dos recursos que estão sendo disponibilizados para o programa, dando maior fluidez à Economia Circular dessas duas vertentes de produção de áudio”, destaca Paulo Rogério Nunes, cofundador da Vale do Dendê.
Saiba mais
- Sobre as pesquisas realizadas pela Sonar Cultural e o trabalho de Dani Ribas
- A primeira reportagem da parceria Vale do Dendê-1 Papo Reto
Fotos:
- Imagem de Dani Ribas: (Patrícia Soransso - divulgação)
- Imagem de abertura: Freepik (Creative Commons)
Nota do Editor:
Esta é a segunda de uma série de três reportagens que o portal de notícias 1 Papo Reto irá produzir e publicar em suas redes. O material é fruto da parceria entre o portal e a Vale do Dendê, com o intuito de ajudar a aumentar a visibilidade dos empreendedores de música e podcast para além das fronteiras de Salvador.
