Quando manifestantes depredaram e ocuparam o Congresso Nacional, no dia 8 de Janeiro, muitos jornais chamaram a ação de “terrorista”, um “ataque à democracia” e seus agentes de “criminosos”. Do outro lado, manifestantes chamaram as prisões feitas pela Polícia Militar de “holocausto” e “perseguição” contra a direita brasileira.
Dentre os termos usados, fiquei me perguntando quais poderiam ser considerados fake news, linha editorial ou militância.
No meu trabalho cobrindo histórias de polícia e bombeiros para um jornal americano, a regra é clara: quem condena é o sistema de justiça. O jornalista deve descrever a situação de acordo como foi dito pelas autoridades. Os editores evitam termos como “atirou”, “matou”, “estuprou” a todo custo. Fui ensinada a escrever que “um homem foi preso em conexão a um tiroteio” e nunca por “atirar em uma pessoa”.
Cada publicação tem sua linha editorial e cada linha diz muito sobre qual o papel dos jornalistas naquela publicação. Cabe a quem descrever, analisar e dar nomes a situações complexas e grupos sociais? "Terrorista", “criminoso”, “ataque à democracia”, “holocausto” e “perseguição” são todos descrições sobre uma realidade objetiva.
Os termos usados pelos manifestantes para descrever o 8 de Janeiro são a opinião do grupo ou fake news? Esquerda ou direita, a depredação de prédios públicos não é novidade em manifestações, e é de se esperar que um grupo militante político afirme estar sendo perseguido ou oprimido ao ser preso. Se “holocausto” é uma comparação exagerada ou não, cabe ao público decidir e criticar, mas claro que é importante que os jornais expliquem bem o contexto por trás da comparação.
Agora, se um jornal usa os termos “terrorista”, “criminoso” e "ataque à democracia", podemos considerar a notícia como fake, militância ou apenas uma reflexão de uma linha editorial?
No estudo A irrupção da fake news no Brasil: uma cartografia da expressão, publicado em 2020, professores da Universidade de Brasília (UnB) explicam que existe uma divergência entre pesquisadores da comunicação sobre a definição de fake news.
Um acadêmico citado no estudo defende que notícias falsas se referem a “fatos fabricados”, espalhados para influenciar a opinião pública, e que muitas vezes o termo fake news é mal utilizado ao descrever “notícias erradas, propaganda, sátira e até fatos com os quais alguém não concorda”.
Outros, se aproximando a essa definição, veem fake news como o oposto das notícias de jornais. Como citado no estudo “‘se é notícia, não pode ser falsa e, se é falsa, não pode ser notícia’”.
Mas, de acordo com o estudo, há também quem pesquise fake news dentro do jornalismo.
O uso do termo “terrorista” foi assunto de debate público. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), descreveu os atos dos manifestantes como tal, mas existe discordância entre especialistas quando se trata da interpretação da Lei Antiterrorismo em relação ao 8 de Janeiro.
Nesse caso, o que fizeram os jornais que usaram essa expressão? Ecoaram uma fala, apresentaram um fato ou seguiram uma linha editorial?
Em relação a expressão “ataque à democracia”, usada por manifestantes e veículos de imprensa, a coautora do estudo de 2020 sobre fake news, Maíra Moraes, trouxe uma provocação superinteressante ao Correio Braziliense, “diante do que vivemos nos tempos atuais, falamos sobre ameaças ao Estado Democrático de Direito ou sobre a irrupção de outra democracia.”
Dentro da era digital, cabe ao governo monitorar e regularizar a atividade dentro de redes sociais, plataformas controladas por empresas privadas? Cabe a empresas privadas terem o poder de controlar e influenciar tanto a opinião pública? Fico pensando se a definição de democracia tem que se ajustar a uma nova realidade, e se isso significa atualizar leis, repensar atitudes, reeducar a população ou muitas outras coisas.
Não estou entrando no mérito de se as eleições foram roubadas ou não. Para deixar bem claro, eu acredito nas urnas eletrônicas e no atual sistema eleitoral brasileiro. O objetivo aqui é outro: refletir sobre como descrevemos situações e onde diferenciamos linhas editoriais, de militância, de fato e de fake — se é que é possível traçá-las.
Sei que essa coluna trouxe mais perguntas do que respostas. É de propósito. Venho pensando muito no assunto ultimamente e queria colocá-lo na roda. Com a evolução tão rápida da dinâmica da comunicação, acho que precisamos conversar sobre isso.
