A tecnologia que educa, descortina o mundo, encurta distâncias entre as pessoas e que ajuda na concretização de negócios deu o tom no primeiro dia do Festival Afrofuturismo – Ano VI, que acontece no Centro Histórico de Salvador. Esse fio condutor funcionou como um amálgama de talks, palestras, rodas de conversa e master classes protagonizados por intelectuais, empreendedores e makers do Brasil, dos Estados Unidos e de países africanos. "Nosso objetivo é desafiar o imaginário (sobre o papel dos afro-brasileiros no mundo) e construir o futuro no qual queremos viver", disse Paulo Rogério Nunes, cofundador da Vale do Dendê, em seu discurso na cerimônia de abertura do evento, na quinta-feira (28/11), quando foram homenageadas celebridades de diversos campos, comprometidas com a pauta da inclusão racial, com o Prêmio AYA, o Adinkra que significa samambaia, a planta símbolo da resiliência.
A lista de agraciados como o troféu desenhado pelo artista baiano Matheus Freitas (@omo_irin) é composta pela head Latam de diversidade da Thoughtworks, Grazi Mendes, a diretora de marketing da TV Globo, Samantha Almeida, a embaixadora de Gana, Abena Pokua Adompim Busia, o empresário Mário Nelson Carvalho, o artista plástico e músico Tamoace Dantas (Sr. Escurinho) e a atriz e empresária Regina Casé. Ela celebrou a força criativa dos baianos afrodescendentes e fez um alerta: "A cultura, a inovação e a alegria da Bahia ão podem ser 0800 (sem remuneração). Ela precisa gerar recursos e desenvolvimento para a comunidade afro da Bahia".
No primeiro dia do Festival, iniciativas ligadas ao empreendedorismo e ao papel da mulher no mundo corporativo ganharam bastante destaque, a partir de talks liderados por Grazi e pelo americano David Wilson. Grazi envolveu uma atenta e participativa plateia com a narrativa acerca de sua trajetória pessoal, acadêmica e profissional, pontuada por alegrias, dores e muitas descobertas. As memórias e aprendizados da menina que cresceu na periferia de Belo Horizonte estão reunidas no livro Ancestrais do Futuro – Qual a mudança que seu movimento alcança?, que acaba de ser lançado pela editora Benvirá.
“Graças à tecnologia ancestral da imaginação eu consegui desenhar a minha trajetória. E neste processo, o gosto pela leitura teve um papel decisivo e hoje estou colhendo os frutos”, contou, se referindo à conquista do prêmio MIPAD (Most Influential People of African Descent), que homenageou os 100 futuristas mais importantes do mundo.
Por sua vez, David apresentou, em primeira mão, sua mais nova tacada empresarial: a rede de relacionamento profissional ALTR (altr.mindset). Sua ambição com o aplicativo é ocupar o que ele classifica como lacuna deixada pelo LinkedIn. “Essa rede social surgiu há mais de 20 anos e permanece praticamente do mesmo jeito, sem se beneficiar das inovações que surgiram desde então, mantendo em um formato que privilegia a quantidade e não a qualidade das conexões”, disse.
Isso, segundo ele, fez com que o LinkedIn perdesse a função precípua de unir pessoas a partir de propósitos específicos como a geração de negócios ou mesmo o recrutamento de profissionais. São estes atributos que ele aponta como diferenciais competitivos do ALTR que nasce apoiado em IA regenerativa e cujo lançamento, nos Estados Unidos, acontece em março de 2025. A startup é fruto de um capital-semente de US$ 1 milhão amealhado junto a investidores, entre os quais se destaca a atriz Viola Davis. Além de personalidades, o negócio se apoia no vasto conhecimento tecnológico do sócio Brandon John-Freso, o primeiro afro-americano a liderar o departamento de TI de gigantes como We Work, do segmento de escritórios compartilhados, e OKCupid, plataforma de relacionamento amoroso. “Brandon reúne as competências ideais para que o negócio se desenvolva de forma inovadora, porque possui experiência em relacionamentos pessoais e corporativos”.
Assim como os seus demais negócios – ele fundou a rede The.Grio (o maior portal de notícias voltado para a comunidade negra norte-americana) e a Afar Ventures, em parceria com Paulo Rogério – David projeta para o ALTR um ritmo de crescimento gradual e sustentado. Até porque, outros grandes grupos de apps de namoro (Bumble, Muzz e Match Group, dono do Tinder )estão lançando versões para relacionamentos corporativos e negócios.
O dilema da escassez de crédito
O acesso a conexões de prestígio, recursos e tecnologia, comum no dia a dia do empreendedor americano, no entanto, ainda é uma realidade bastante distante dos afro-empreendedores brasileiros. Mas, no que depender de alguns órgãos de fomento, isso deverá mudar em breve. Ao menos foi isso que disseram os integrantes da mesa Empoderamento Econômico Negro: O Papel das Instituições Financeiras na Promoção da Equidade Racial, que reuniu Gabriel Salgado, gerente executivo no Hub de Inovação Banco do Nordeste (BnB), Rosângela Bispo Gonçalves, representante do Sebrae Delas (BA), e Tamires Conceição dos Santos, coordenadora da política de afro-empreendedorismo da Secretaria Estadual de Igualdade Racial da Bahia (Sepromi).
Gabriel renovou o compromisso do BnB em ampliar as linhas do Crediamigo, que atua com o microcrocrédito mimetizando o Grameen Bank, criado pelo economista bengalês Muhammad Yunus, vencedor do Prêmio Nobel da Paz. “O Crediamigo já responde por 30% dos ganhos do BnB e possui taxa de inadimplência de meio por cento. Por isso, nossa intenção é ampliar o volume de recursos nessa modalidade e o valor desembolsado”. Para isso, ele anunciou a contratação de 500 agentes de crédito, profissional responsável por capitar novos clientes neste segmento.
É essa mesma direção que segue a estratégia de crescimento da Sepromi, cujo teto do empréstimo focado no afro-empreendedor está limitado a R$ 50 mil. “Meu objetivo é dobrar esse valor”, adiantou Tamires. Segundo ela, esse percurso está sendo precedido por um amplo trabalho de “letramento de crédito” para os afro-empreendedores, como forma de garantir um atendimento integral. “Nosso objetivo é preparar nos integrantes deste contingente para que eles entrem no sistema de crédito com mais conhecimentos e possam, com o passar do tempo, acessar valores maiores”.
Mas crédito, por si só, não resolve a questão. Até porque, a qualidade e a eficiência da gestão são consideradas as chaves para o sucesso de qualquer empreendimento. É nesse contexto que navega o Sebrae, em geral, e o Sebrae Delas, em particular. Esse programa, que nasceu com o objetivo de dar suporte a mulheres que comandam pequenos negócios, tem ampliado seu foco para outras minorias de poder. “Vamos começar a trabalhar com linhas específicas para membros da comunidade LGBTQIA+, integrantes da Economia Prateada (60+) e outros públicos específicos em nível nacional”, destacou Rosângela.
Legenda da foto que abre esse texto: (a partir da esq.) Ana Cristina Araújo, gerente de operações da Vale do Dendê, Mario Nelson, Abena Busia, Regina Casé, Paulo Rogério, Grazi Mendes e Tamoace Dantas
*O jornalista viajou a Salvador a convite da Vale do Dendê e do Sebrae-BA
*O site de notícias 1 Papo Reto é media partner do Festival Afrofuturismo