Por Raquel Lopes Costa e Ruth Lopes Costa, especial para 1 Papo Reto
O conceito de "racismo reverso" tem gerado debates acalorados na sociedade brasileira e em outros contextos, especialmente em relação às políticas de ação afirmativa e à luta contra a discriminação racial. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a posição de que o racismo, como um sistema estruturado de opressão enraizado na história e na cultura, não pode ser invertido. Esse entendimento é fundamental para esclarecer que a dinâmica do racismo é marcada por relações de poder desiguais, onde grupos historicamente marginalizados enfrentam discriminação sistemática.
A decisão da corte superior concedeu habeas corpus para trancar a ação penal, movida pelo Ministério Público de Alagoas, pedindo a condenação de um homem negro pela Lei 14.532/2023, que trata do crime de injúria racial. A base para a queixa foi a utilização da expressão “cabeça europeia escravagista”, durante uma discussão em uma rede social com um homem branco de origem italiana.
A interpretação da 6ª Turma do STJ para o caso chega como uma forma de encerrar uma linha de argumentação usada constantemente na tentativa de deslegitimar as lutas por igualdade e justiça social. É que para os adversários dos programas de ação afirmativa, voltadas para a inclusão de grupos racialmente discriminados, esses mecanismos se constituem numa forma de discriminação contra brancos (racismo reverso). Entretanto, essa visão ignora o contexto histórico e social que fundamenta essas políticas, tidas como necessárias para corrigir desigualdades que persistem ao longo do tempo.
O STJ, ao confirmar que o racismo reverso não existe, reforçou o princípio aceito universalmente de que o racismo é uma construção social que se baseia em um sistema de hierarquia social, onde os negros e outras minorias têm sido historicamente oprimidos. Assim, as medidas que visam promover a inclusão de grupos desfavorecidos são vistas não como uma inversão da opressão, mas como uma tentativa de reparação e justiça.
Acreditamos que a reflexão sobre esse tema é crucial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Reconhecer que o racismo estrutural afeta profundamente a vida de milhões de brasileiros é um passo importante para a promoção de políticas públicas eficazes. Defendemos que o debate deve se concentrar na importância de combater todas as formas de discriminação, buscando uma verdadeira equidade racial, e não em confusões sobre o que significa ser discriminado ou o que são ações afirmativas. Até porque, a constitucionalidade dessas políticas foi sacramentada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2012.
Neste contexto, a exemplo do que fez o STF há 13 anos, a deliberação do Superior Tribunal de Justiça é um importante marco na luta contra o racismo. Ao afirmar que o racismo reverso não existe, o tribunal não apenas defende a necessidade de ações afirmativas, mas também destaca a urgência de um compromisso coletivo em prol da igualdade racial, fundamental para a construção de um país mais justo e inclusivo para todos.
As irmãs Raquel e Ruth são cofundadoras do Instituto Mulher Negra e Cia.
