Inteligência em favor da preservação ambiental e da democratização da saúde

Inteligência em favor da preservação ambiental e da democratização da saúde

As coincidências, os acasos e a capacidade de fazer uma leitura estratégica do zeitgeist (espírito do tempo, em alemão) estão no cerne da trajetória empresarial de Sabine Zink Bolonhini (à esq. na foto acima) e Adriana Mallet, sócias-fundadoras do Grupo SAS Brasil, negócio de impacto social, baseado em SP e que atua com tecnologia, saúde e educação. Sua mais nova empreitada é o CompenSAS, uma calculadora de pegada de carbono focada no segmento de saúde e bem-estar. Em linhas gerais, a ferramenta permite às empresas do setor (hospitais, fornecedores de equipamentos e insumos gerais, por exemplo) monitorar e compensar as emissões de CO2 a cada atendimento pelo sistema de telessaúde.

Trata-se de uma iniciativa com potencial gigantesco, se levarmos em conta que a cada ano são realizados 2,8 bilhões de consultas e procedimentos de saúde no país. Na maioria dos casos, eles ocorrem em locais distantes da cidade na qual residem os pacientes, o que resulta em um deslocamento médio de 72 km para cada atividade, de acordo com o Ministério da Saúde. O que, evidentemente, causa um impacto brutal no dia a dia das cidades, colaborando sobremaneira para o inventário de emissões de gases danosos à camada de ozônio. Em termos globais, o setor é um dos maiores emissores de CO2, respondendo por 4,4% do total.

Mesmo tendo essa consciência, a partir de estudos e pesquisas, Sabine diz ter ficado perplexa ao enxergar o resultado de alguns processos dentro de sua própria operação. É que um dos KPIs (sigla em inglês para indicadores de resultados) da SAS Smart+, empresa do grupo que mantém uma unidade de teleultrassonografia em Cruz (Ceará), é o deslocamento dos pacientes. “Descobrimos que, em apenas seis meses, nosso serviço fez com que deixassem de ser emitidos 2,5 milhões de milímetros de carbono na atmosfera”. na atmosfera”. Foi a partir deste insight que as sócias decidiram criar a ferramenta.

Entre a intenção e o lançamento do CompenSAS se passaram dois anos. Neste período, a dupla Sabine-Adriana se desdobrou para colocar de pé a empreitada, percorrendo o caminho típico das startups. Primeiro, buscaram uma empresa júnior na Universidade de São Paulo (USP) para ajudar no desenvolvimento do software. Depois, correram atrás de investidores disposto a bancar o projeto. Quem acreditou foi a Philips. A última etapa, de validação e testes em campo, está sendo cumprida por meio de uma parceria com o Hospital Moinhos de Vento, entidade privada e uma das pioneiras em telemedicina no Brasil. “A Philips montou um parque eólico para mitigar sua pegada de carbono. Mas essa é uma realidade distante para empresas de menor porte, em um setor tão pulverizado quanto o da saúde. E é neste contingente que estamos focando”. conta.

CompenSAS 1 papo reto teleultrassomSaúde da mulher: tecnologia da SAS permite realizar ultrassom à distância / Foto: divulgação

Cada passo foi guiado a partir de programas de mentoria e aceleração de negócios dos quais a healthtech SAS Smart+ participou. Um deles foi o InovaHC, do Hospital das Clínicas da USP. “Nossa prioridade, agora, é criar versões em inglês e espanhol para facilitar o processo de internacionalização da ferramenta”, diz. E, se levarmos em conta outro componente importante na jornada empreendedora, que é a inserção em fóruns de destaque global, o Grupo SAS Brasil, em geral, e a ferramenta CompenSAS, em particular, têm tudo para crescer. Isso porque, tanto Sabine quanto Adriana já acumulam muitas horas de voo cruzando os cinco continentes para participar de eventos envolvendo tecnologias aplicadas ao setor, com destaque para a Inteligência Artificial, além de debates acerca da viabilização do acesso à saúde, especialmente no caso das mulheres.

Sabine diz que a importância da telessaúde vai muito além de sua contribuição na questão ambiental, podendo assumir um papel efetivo e estratégico na democratização do acesso à saúde. Tanto no caso de procedimentos mais simples, quanto naqueles mais complexos e que até hoje são sonegados à população. É que apesar de todos os esforços e acertos do SUS, considerado um modelo global de excelência na universalização do acesso à saúde, ainda existem muitas lacunas em sua cobertura, notadamente fora dos grandes centros urbanos. Uma delas se refere a exames e procedimentos vitais para a saúde feminina, como o acompanhamento no período pré-natal. “Apenas 4% das gestantes brasileiras fazem ultrassom”, destaca Sabine.

PONTO DE PARTIDA

No capítulo de coincidências e acasos na trajetória das duas empreendedoras consta, também, o fato de ambas terem estudado na Universidade de Campinas (Unicamp), na mesma época. A amizade, que evoluiu para o casamento, em 2011, começou em um evento social. Na época, Adriana tocava a rotina de médica fazendo plantões em Postos de Saúde, enquanto Sabine atuava no mercado corporativo com projetos de gestão de pessoas e desenvolvimento de lideranças. Em comum, além do fato de terem sido contemporâneas na Unicamp, elas sempre estiveram ligadas à área social. Quer seja no papel de voluntária em programas de saúde, como o Projeto Rondon, no caso de Adriana, ou a partir de iniciativas de educação para crianças nas quais Sabine doava tempo e conhecimento.

Grupo SAS Brasil Rally dos SertoesSertões: as primeiras ações sociais da SAS aconteceram ao longo do Rally dos Sertões / Foto: divulgaçãoEste sentimento acabou se intensificando em 2012, após uma sessão do filme Quem se importa, dirigido por Mara Mourão, que faz um mergulho profundo em diversas iniciativas tocadas por empreendedores sociais, ao redor do mundo. Na lista de heróis da vida real consta o médico paulistano Eugênio Scanavino, fundador da ONG Saúde e Alegria, que atua na Amazônia. “Saímos do cinema encantadas e decididas a largar tudo, pegar o carro e sair pelo Brasil atendendo comunidades de baixa”, conta. Contudo, elas sabiam que não bastava apenas voluntarismo.

Foi aí que mais uma coincidência, ou acaso, acabou funcionando como ponto de partida para a guinada em suas carreiras. Em um dos plantões em um Posto de Saúde em Itatiba (SP), Adriana atendeu uma participante  do Rally dos Sertões, vestida à caráter. O uniforme chamou a atenção da médica, que procurou saber do que se tratava. Pouco tempo depois, Adriana e Sabine estavam discutindo com os organizadores do Rally uma parceria para oferecer serviços de saúde gratuitos, no roteiro da expedição. Foi assim que nasceu  a ONG Saúde, Alegria e Sustentabilidade (SAS Brasil), posteriormente transformada em uma empresa de impacto que, além do braço social, comanda mais dois negócios: a healthtech SAS Smart+ e a Musas Saúde, um cartão de benefícios para teleatendimento de saúde.