O privilégio de estudar fora

O privilégio de estudar fora

Estudar nos Estados Unidos tem sido uma experiência libertadora para mim. Como mulher, sinto que tenho mais espaço para me expressar e mais oportunidades para provar o meu potencial. Pelo menos, bem mais do que eu tinha no ensino médio no Brasil. Em parte, minha libertação veio porque a vida universitária aqui exige muita independência. Por outro lado, também existem sistemas aqui que facilitaram esse crescimento pessoal.

Para começar, para entrar na faculdade, você não precisa saber o que vai estudar. Você pode, inclusive, entrar como “undecided” (em português, indeciso), fazer algumas aulas e escolher depois. Mesmo quem entra por uma matéria específica pode mudar de ideia, trocando de curso ou fazendo dois ao mesmo tempo. Eu mesma comecei fazendo jornalismo e psicologia, e depois mudei para jornalismo e estudos de gênero, sexualidade e da mulher. Nesse meio tempo, quase mudei para história da arte, antropologia e sociologia. Muita gente estuda mais de uma coisa ao mesmo tempo. O currículo te dá muito espaço para explorar. Inclusive, foi por causa dele que eu encontrei o departamento de estudos de gênero, sexualidade e da mulher, curso que me permitiu estudar o machismo para melhor combatê-lo.

Sinto que, como mulheres, não temos muitos espaços ou oportunidades para descobrir quem somos. Nascemos com funções e comportamentos pré-escolhidos para gente. Quando cheguei aqui, não conhecia ninguém, nem muito sobre as expectativas acerca as mulheres nessa sociedade. De repente, existia bem menos pressão sobre mim. Existia eu, e tudo que eu quisesse me tornar era possível. Foi uma mudança muito empoderadora, apoiada por professoras mulheres que viram meu potencial e me ajudaram a explorá-lo. Hoje em dia, sei dos meus defeitos e pontos fortes. Tenho confiança para jogar o jogo da vida e chegar aonde eu quero. Vir estudar aqui foi essencial para esse processo.

privilegio de estudar fora 1 papo reto 2O prédio da Boston UniversityOutro fator foi a ausência de adultos por perto. Não morar com os pais te dá a oportunidade de explorar como você se relaciona com o mundo e com você mesmo. Tive muito mais tempo para falar com pessoas da minha idade, descobrir como quero ser vista enquanto mulher, como quero que as pessoas me vejam e com quem quero me relacionar. Pude explorar o que vestir, como falar e como me comportar. Tive mais tempo para flertar, para sair e explorar minha sexualidade. Pude descobrir quais são as minhas prioridades como pessoa e como mulher, entender quais são as limitações impostas sobre o meu gênero e como lutar contra elas para chegar aonde eu queria. Basicamente, não existia mais controle ou policiamento. Tive muito tempo comigo mesma, e isso é uma grande parte da mulher que sou.

Por fim, sinto que o movimento feminista por aqui é diferente do Brasil. Lá, existe um grande foco na feminilidade como instrumento de luta. Mulheres tomam essa característica como símbolo de fortaleza, o que é incrível, mas tira um pouco das que não são femininas, pressionando todas a se comportar de certo modo, cumprindo certas expectativas. Aqui, o movimento toma gênero com uma coisa um pouco mais fluida, permitindo que mulheres tenham mais liberdade sobre o que vestir, como cortar seu cabelo ou como se comportar. Como disse uma professora de sociologia em uma das minhas aulas, quando tem mais opções no menu, a gente tende a provar mais pratos. E isso foi verdade na minha experiência. Após quatro anos de estudo, explorei-me muito mais como mulher por aqui do que teria se tivesse ficado no Brasil.

Vale lembrar que essas percepções são extremamente pessoais, baseadas nas experiências que tive tendo em vista meus interesses, minha personalidade e as minhas escolhas. Outras mulheres podem ter um ponto de vista completamente diferente. Quando se trata de mulheres negras, por exemplo, tenho uma vaga ideia de qual seria a história, mas dificuldade de imaginar os detalhes e percepções. Para começar, em quatro anos de estudo, lembro de ter conhecido uma ou duas brasileiras negras na minha faculdade, em comparação a, mais ou menos, 30 brasileiras brancas. Isso diz muito. Mas não é assunto para parágrafo, é para uma coluna inteira, então deixarei para falar mais sobre ele em uma próxima.

Por hoje, deixo essa reflexão: o estudo proporciona oportunidades para as mulheres. No meu caso, o estudo nos Estados Unidos me deu muito espaço para crescer e descobrir quem eu sou sem me preocupar demais com o fato de ser mulher.

 

Isabela Rocha

Autor: Isabela Rocha

Sobre o/a Autor(a) Isabela Rocha é jornalista freelancer. Apaixonada por escrita, comunicação e justiça social, seu sonho profissional é trabalhar para o avanço da igualdade de gênero e do combate ao racismo. Ela acredita no poder democrático das notícias e sempre busca contar histórias relacionadas à diversidade para normalizar a vida de minorias sociais.


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