Sobre Robert Johnson, Pelé, você e a solidão racial

Sobre Robert Johnson, Pelé, você e a solidão racial

Em 2012, a revista americana Business Week publicou uma ampla reportagem intitulada Race in the Boardroom, que numa tradução livre significa “Diversidade Racial nos Conselhos de Administração”. A matéria – um trabalho de grande fôlego e que só foi concluído com êxito porque boa parte das declarações foram dadas em off (quando as fontes não são reveladas) – esquadrinhou a forma como as empresas europeias lidavam com a diversidade racial e cultural. E mais. Também procurou listar quantos integrantes de minorias étnicas, em cada país, ocupavam postos de alto nível.

Por último, tentou-se medir o impacto dessas políticas no desempenho das grandes corporações do Velho Mundo. A resposta de um executivo alemão, confrontado com a fatídica pergunta sobre o grau de diversidade da empresa que ele dirigia (“Uma vez tivemos um belga!”), mostra que a Europa ainda tem muito que avançar nesse terreno.

Uso a reportagem, caro leitor, apenas como um abre-alas para o que, de fato, pretendo tratar nesse ensaio: a Solidão Racial. Esse “mal”, uma espécie de primo distante do banzo, atinge de forma indistinta pesos-pesados do mundo corporativo como Robert Johnson (na foto abaixo), fundador da Black Entertainment Television (BET) e o primeiro afrodescendente a entrar na lista de bilionários da revista Fortune, com um patrimônio de US$ 1,5 bilhão, e personalidades do calibre de Edson Arantes do Nascimento, que vive sob a pele do heterônimo Pelé.

A Solidão Racial, contudo, é mais lancinante sobre os afrodescendentes comuns. Pessoas exatamente como eu e você cujo principal mérito na vida foi conseguir furar as “barreiras naturais” à ascensão profissional e pessoal. A cada degrau que subimos, vemos que o mundo a nossa volta vai se tornando cada vez mais monocromático.

Até que, um dia, nos damos conta de que no escritório, no barzinho, no restaurante, e também na piscina do condomínio, somos, via de regra, o único negro do recinto. A unicidade nos transforma em autômatos*.  Um ser sem alma. Um ser sem cor. Invisível, mesmo! É nesse ponto que é preciso vigilância redobrada para não acabarmos nos afastando do debate racial.

Às vezes, a “ficha só cai” quando nos deparamos com situações de confronto explícito. Algo semelhante ao que aconteceu com Bob Johnson que, do alto de seu patrimônio bilionário, foi instado a manobrar o carro de uma hóspede, enquanto esperava por um amigo à porta de um hotel de luxo em Washington D.C. (Estados Unidos).

A Solidão Racial, no entanto, não é causa em si mesma. É, sim, efeito de um sistema perverso que nega a uma expressiva parcela da sociedade brasileira os mais elementares direitos, tendo por base o critério étnico. O antídoto, sabemos, já existe e se chama sistema de cotas. Cotas no serviço público. Cotas nas universidades. Cotas no legislativo…

Talvez, dessa forma, possamos, daqui a 10 ou 15 anos, olhar para o lado, nos lugares onde o número de zeros no contracheque dita quem entra ou não, e ver que o matiz de cores está mais próximo do que vemos nas pesquisas do IBGE. Sem isso, continuaremos vendo autômatos* famosos como Pelé e Bob Johnson e autômatos* anônimos como eu e você, sofrendo da tal Solidão Racial!

Uma dica para conhecer um pouco mais da incrível história de Robert Johnson é seu livro A Aposta de US$ 1 bilhão

Artigo escrito originalmente para a edição número zero da revista Afirmativa Plural, editada pela Afrobras/Faculdade Zumbi dos Palmares, em 2004

* Em 28/11/2013 substituí o original “zumbi” para evitar confusões desnecessárias com o nome africano do grande líder Zumbi dos Palmares, batizado pelos sacerdotes como Francisco.