Fiz uma aula de freelancing no ano passado. O objetivo era desenvolver meu beat, termo que os norte-americanos usam para se referir ao tópico que você gosta de cobrir. Tínhamos que entregar três histórias sobre o que quiséssemos. Pois bem, já de primeira, tive dificuldades para aprovar uma ideia.
Meus tópicos de interesse para coberturas são raça, gênero e justiça social. Pesquisando ideias para a primeira história, encontrei uma iniciativa de três mulheres negras em Boston (EUA): Ty-Juana Flores, Charlene Chinn e Suhayl Ramirez, empenhadas em combater a desigualdade racial na indústria de bebidas alcoólicas. De acordo com elas, consumidores negros são tratados diferente dos brancos em lojas de bebidas, e têm menos acesso à informação sobre como fazer uma boa compra.
Para combater o problema, elas criaram uma conta nas redes sociais, batizada de TFluxè, e estavam comparecendo a eventos sobre bebidas alcoólicas na cidade para falar sobre o assunto. Achei a proposta diferente e inovadora. Não existiam muitos artigos sobre essa desigualdade especificamente. Liguei para as organizadoras para entender um pouco mais sobre o projeto e decidi que seria a minha primeira história.
Com as minhas anotações em mãos, apresentei a ideia na aula. Foi rejeitada. De acordo com o professor, a iniciativa não havia feito nenhum progresso ainda. Essa seria uma história, ele disse, para daqui um ano, quando as organizadoras tivessem criado algum impacto social. Eu discordei, dizendo que o fato de as organizadoras estarem introduzindo a pauta aos consumidores, produtores e vendedores da indústria já era um impacto em si. Mas não teve jeito. Para ele, não era noticioso o suficiente.
Em uma conversa com uma agente literária convidada à mesma aula, ela trouxe a seguinte reflexão: quando alguém diz que achou um tópico que nunca foi escrito antes, isso pode significar duas coisas. Ou a pessoa é um gênio e realmente encontrou algo inédito, ou ninguém escreve sobre o assunto porque ele não vende, não funciona.
De acordo com a experiência dela, geralmente é o segundo caso. No caso da minha história, pode ser que ninguém tenha escrito sobre o assunto porque ele não funcionava mesmo, mas é importante refletirmos sobre o impacto de escrever sobre pequenas iniciativas criadas por minorias.
Os jornais influenciam os interesses e atitudes de sua audiência. O leitor médio não tem tempo para ficar pesquisando o que está acontecendo no mundo. Ele sabe apenas o que leu no jornal do dia. O que estiver na primeira página, ele vai considerar mais importante, prestar atenção. O que estiver no meio, ele vai dar uma lida se tiver tempo. O que não estiver lá, ele não vai ficar sabendo. O jornal de cada dia determinará, até certo ponto, suas preocupações, suas opiniões e seus interesses.
Por isso, é fundamental escrevermos sobre pequenas iniciativas, especialmente quando se trata de minorias. Dar espaço para pessoas que não são ricas, brancas ou heterossexuais nos jornais muda a postura da sociedade em relação a elas. Antes invisíveis ou limitadas por um estereótipo, elas ganham a oportunidade de serem vistas como capazes, proativas, intelectuais e competentes.
Visibilidade abre portas para um mundo de possibilidades que não estão ao alcance das pessoas invisíveis. Ela traz patrocinadores, gera empregos e inspira outros invisíveis a ocuparem espaço nos círculos importantes da sociedade. Igualdade social vem com espaço e representatividade, e os jornais têm o poder de influenciar quem é visto como merecedor de oportunidades.
Nota da redação: as redes sociais do TFluxè estão temporariamente fora do ar, em fase de atualização.