Parceria entre Scania e Gás Verde coloca o biometano no portfólio de empresas que desejam zerar emissões de carbono

Parceria entre Scania e Gás Verde coloca o biometano no portfólio de empresas que desejam zerar emissões de carbono

Inovação pura e simples nem sempre garante o sucesso de uma empresa. A literatura está recheada de casos de serviços ou produtos tidos como revolucionários, mas que foram abandonados no nascedouro porque não dialogavam com o “espírito do tempo” ou não se encaixavam na estratégia da companhia. Um exemplo emblemático é a câmera digital, criada pela Kodak em 1975 e cujo projeto foi solenemente engavetado porque o equipamento custaria caro demais, além de não fazer sentido para um negócio alicerçado na venda de máquina de baixo custo, filmes, insumos para revelação e papel fotográfico.

Em 2000, a Kodak entrou em decadência por ter se tornado obsoleta diante das máquinas digitais fabricadas pelos japoneses. Moral da história: inovação sem estratégia de mercado, não gera resultados concretos! É por isso que muitas empresas se atêm ao “preguiçoso” business as usual. Especialmente em segmentos maduros como o automotivo.

Ao longo do século 20, poucas montadoras ousaram investir, para valer, em motores adaptados a combustíveis fora do trio diesel-gasolina-etanol. No segmento de veículos pesados, então, o apego ao diesel, nas versões fóssil ou renovável (biodiesel feito a partir de insumos vegetais), se posicionava entre o dogma e a profissão de fé. Mas sempre existem exceções. Uma delas é a sueca Scania, que saiu na frente e clcoou no mercado, em 2020, sua linha de caminhão movido a gás (GNV ou biometano) produzido no Brasil.

E os resultados não demoraram a aparecer. “Nossa expectativa é comercializar mil veículos a gás, neste ano”, conta Alex Nucci, diretor de Vendas de Soluções da Scania Operações Comerciais Brasil. Trata-se de uma marca e tanto, afinal, no período 2020-2024 foram vendidos 1,5 mil unidades do modelo. E parte expressiva do volume previsto para 2025 está ligado à renovação da parceria com a Gás Verde, baseada no Rio de Janeiro, que fechou contrato para aquisição de 100 caminhões. A empresa é a maior produtora de biometano (gás extraído da decomposição de matéria orgânica em aterros, por exemplo) da América Latina, atuando na captação do insumo em aterros sanitário de Seropédica (RJ) e São Paulo.   

De acordo com o presidente da Gás Verde, Marcel Jorand, o objetivo é oferecer os veículos, no sistema de locação, a transportadores ou empresas como Nestlé, L´Óreal e Ambev, com as quais já mantêm contratos de fornecimento de biometano. Ao aderir à Frota Carbono Zero da Gás Verde o cliente contará com pacote que inclui o veículo, o plano de manutenção e a garantia de suprimento do combustível renovável. Os “postos” serão instalados em pontos definidos da malha rodoviária do Sudeste e na sede da contratante.

Jorand explica que esse modelo de negócio surgiu a partir da análise dos relatórios de impacto ambiental de empresas signatárias de acordos globais para redução de emissões. “No que refere à operação fabril, as empresas estão se enquadrando rapidamente. O desafio, no entanto, é do portão para fora. E a área de logística tem um grande peso nessa equação”, destaca. Dados disponibilizados pela companhia indicam que o setor de transportes emite 210 milhões de toneladas de CO2 por ano, equivalentes a 15% do total do país. E nesta conta, o diesel tem um peso expressivo e, segundo ele, a solução imediata é o motor movido a biometano, capaz de reduzir em 90% as emissões.

 

biometano 2 1

 

A estratégia e os números apresentados pela Gás Verde estão alicerçados em comprovações empíricas a partir de experiências internas e nas operações de clientes. Em 2020, a empresa substituiu parte da frota a diesel por 13 caminhões a gás, fabricados pela Scania. “Não fazia sentido vender um combustível limpo (biometano) ao cliente e transportá-lo em veículos a diesel”, diz.

Em 2023, a empresa levou esse projeto para a subsidiária da francesa L´Oréal, que assinou contrato de compra de 3,6 milhões de metros cúbicos de biometano para abastecer os caminhões que rodam entre o Centro de Distribuição, na Vila Jaguará, bairro da região norte de São Paulo, e o Centro de Distribuição em Jarinu, um trajeto de 80 km, patamar muito menor que os 650 km de autonomia dos veículos.

Tanto Nucci, da Scania, quanto Jorand, da Gás Verde, colocam as fichas no rápido crescimento do mercado de veículos a gás. A análise leva em conta ações adotadas por Prefeituras que pretendem converter a frota de recolhimento de lixo para este modelo. Dois exemplos neste sentido são as operadoras EcoFor, de Fortaleza, e EcoOsasco, de Osasco (SP). E a expectativa é que a concessionária do Rio de Janeiro seja a próxima. “A Prefeitura do Rio de Janeiro já anunciou planos de trocar parte dos caminhões da Comlurb (estatal de limpeza urbana)”, destaca o presidente da Gás Verde. De fato, pouco depois da entrevista, o site da Prefeitura do Rio de Janeiro anunciava licitação de R$ 7,7 milhões para locação de 82 caminhões, sendo 43 movidos a gás. “Nossa expectativa é que os veículos a gás dobrem, para 10%, a fatia nas vendas totais de caminhões no Brasil”, diz Nucci.

No que depender da Gás Verde não faltará combustível. Isso porque, a empresa pretende dobrar dua produção de biometano até 2028, com a entrada em operação de mais 10 plantas, espalhadas por Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. A empresa é vista como uma joia da coroa do Grupo Urca que pagou R$ 1,2 bilhão pela sua aquisição, em 2022.

 

Legenda da foto de abertura - Nucci (à esq.) entrega a "chave simbólica" dos caminhões a Mauricio Carvalho, sócio do Grupo Urca Energia, e Marcel Jorand, CEO da Gás Verde.